Medicação e cuidados com o DM1 na escola. Professores podem medicar alunos?
A preocupação dos profissionais da educação quanto a responsabilidade, e legalidade, da administração de insulina, e monitorização de glicemia, na escola pelo professor, ou por pessoas que não sejam profissionais de saúde gera debate.
Vale a pena se inteirar, conhecer e discutir o tema.
São comuns questionamentos como: Não é perigoso? Medicamentos podem ser administrados na escola pelo professor? E se o aluno passar mal, de quem é a responsabilidade? O professor é obrigado a fazer o que é atribuição de profissionais de saúde?
Embora a administração de insulina seja fundamental no tratamento do DM1, e outros cuidados e atenção de quem está por perto sejam necessários na convivência com alunos com DM1, essa parte do debate tem se mostrado mais desafiadora para os professores.
Afinal, o que é preciso para encarar as necessidades e desafios dos alunos com DM1?
Bem, é preciso uma “injeção” de boa vontade, disposição de aprender e bom senso para avaliar as necessidades e desafios das partes envolvidas nessa discussão:
O aluno com DM1: que precisa se integrar na escola sem que suas necessidades de realizar monitorização, administração de insulina usando seringa, caneta aplicadora ou bomba de infusão sejam negligenciadas; bem como atenção na alimentação e rotina escolar. E que, dependendo da idade, precisará de acompanhamento durante essas atividades (não necessariamente de um profissional de saúde mas de alguém que se disponibilize e seja devidamente treinado para observar, interpretar e agir).
A mãe/ pai: que dificilmente pode ficar na escola todos os dias para medir a glicemia ou aplicar insulina por conta do seu do horário de trabalho, e ,muitas vezes, não tem outro familiar à quem delegar essa tarefa. Os pais geralmente também tem dificuldades em conseguir sozinhos alguém de enfermagem que possa ir à escola para prestar esse tipo de auxilio. Eles também se sentem inseguros porque os professores não sabem identificar alterações na glicemia do filho(a).
O professor: que se sente sobrecarregado, despreparado para esse tipo de atribuição, inseguro por não saber como lidar com os sinais e sintomas que o aluno possa apresentar em caso de variações bruscas na glicemia e sente medo caso cometa algum erro e seja responsabilizado.
A escola: que não sabe bem do que precisa, que tipo de estrutura, informação ou treinamento é necessário e, então, a direção fica receosa em aceitar a responsabilidade.
Todos os desafios são sérios e precisam ser encarados. Acredito que juntos, a escola,a família e os alunos, podem encontrar informações, apoio e soluções para suas necessidades. Todos precisam ser atendidos.
Diante de tantos desafios e inseguranças não podemos negligenciar a necessidade da escola de informação e capacitação para garantir a inclusão e cumprimento dos direitos fundamentais da criança, ou adolescente, de ter acesso a educação e saúde e os da escola de se resguardar e evitar transtornos relacionados a erros no cuidado com o aluno.
Existem leis que amparam essa demanda de medicação e atenção em saúde na escola?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei nº 8.069/1990 no art. 7º assegura às crianças e adolescentes proteção à vida e à saúde mediante a efetivação de políticas públicas. Então precisamos fazer valer.
O Fato é que ainda não existe uma recomendação ou legislação nacional sobre essa questão especificamente. O que há são recomendações em esferas segmentadas.
A Portaria SME 1692/2005 que dispõe sobre a necessidade de normatizar a administração de medicamentos nas unidades educacionais da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, após passar por correções no texto, atualmente autoriza a direção da Unidade Escolar a organizar, mediante solicitação por escrito dos pais e prescrição médica, a ministração de medicação oral para as crianças de 0 a 11 anos, matriculadas na RME. Alguns profissionais da educação fazem grifo ao termo oral ao afirmar ser "contra a lei" professor administrar insulina na escola (uma vez que insulina não é medicamento oral).
Um parecer do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP), quanto à aplicação de insulina em ambiente escolar, orienta que crianças, dependendo da idade, podem ser treinadas a realizar glicemia capilar e aplicar insulina e/ou ingerir açúcar conforme resultado, sendo recomendável fazê-lo sob supervisão de um adulto. Caso a criança, não tenha capacidade ainda para fazer essa avaliação, qualquer adulto treinado pode realizar os procedimentos. Essa resolução esclarece ainda que a escola não tem “obrigação” de realizar/supervisionar esse procedimento caso os funcionários não se sintam aptos para isso, mas que dentro de uma ação inclusiva atual é desejável que façam este acompanhamento. Por fim, o parecer conclui que não existe a obrigatoriedade da presença de auxiliar de enfermagem na escola e recomenda, para devido respaldo legal da escola, exigência de: cópia da prescrição e de orientações médicas; autorização escrita dos pais explicitando a capacitação da criança e autorização para que o procedimento seja realizado no ambiente escolar sob supervisão de um adulto responsável; e manter a documentação e os registros eventuais em prontuário da criança. Essa questão foi abordada em uma consulta ao Núcleo de TELESSAUDE Santa Catarina em que complementa as orientações do CREMESP dizendo que "Seria bom que a unidade de saúde garantisse a escola que irá se disponibilizar a ir a escola avaliar a criança ou tirar dúvidas por telefone caso a escola necessite.(...) e que é importante compreender que cada lado dessa negociação (os pais, a criança, a escola e a equipe de saúde) deve colaborar no cuidado da criança com diabetes. Assim sendo, todos são aliados para decidir a melhor maneira de auxiliar essa família. Nessa negociação torna-se importante ser flexível no que for possível de flexibilizar e não abrir mão do princípio fundamental dessa negociação que é a saúde da criança."
Questionada sobre a medicação de crianças no ambiente escolar A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiu um documento com orientações quanto ao Uso Criterioso de Medicamentos na Creche e Escola mencionando que se a criança está em bom estado geral de saúde e pode participar das atividades pedagógicas, não deverá faltar a escola por conta do uso de medicamentos. No entanto a SBP também ressalva alguns critérios fundamentais para administração de medicamentos no ambiente escolar a fim de evitar erros no procedimento e excessos.
Ainda não há no Brasil uma lei proibindo que medicamentos sejam administrados por professores em ambiente escolar. Há orientações de como isso deve ser realizado. Quando a escola admite um aluno que tenha essa necessidade por condição crônica de saúde essas orientações servem de apoio para evitar problemas de comunicação e erros no procedimento.
E os pais ou responsáveis? Não seria melhor que eles assumissem a responsabilidade caso não haja um profissional de saúde na escola?
Seria sim, mas considerando a realidade social (de que para a maioria não é possível deixar o trabalho para ficar no horário de aula com o aluno) e necessidade de que o aluno receba diariamente apoio necessário e possa frequentar a escola... sejamos realistas, é preciso um trabalho em conjunto de colaboração e ajuda mutua. A direção / coordenação da escola precisará dialogar com os familiares para compreender quais as necessidades do aluno e que responsabilidades poderão ser compartilhadas, que tipo de situação precisa ser evitada e que medidas devem ser tomadas em caso de emergência. Precisarão encontrar um caminho, formar uma rede de apoio, de educação e inclusão, e fazer isso de forma segura.
Para isso o Plano de Manejo do Diabetes na Escola (PMDE) é um documento fundamental que contempla toda a orientação e prescrição médica individualizada do aluno com DM1 de maneira protocolada. O PMDE deve ser mantido sempre atualizado e acessível na escola.
O Projeto de Lei 1616 de 2011 Dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de um profissional da área de enfermagem, enfermeiro ou técnico de enfermagem, nas unidades da rede pública de creches e escolas de educação infantil, e dá outras providências.
Mas enquanto isso não acontece na prática, as escolas públicas que desejarem apoio de profissionais de saúde para atenderem suas necessidades de treinamento e apoio com alunos podem solicitar apoio aos profissionais de enfermagem da UBS mais próxima da unidade escolar se baseando no Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro 2007 que instituiu o Programa Saúde na Escola (PSE) que prevê que "as equipes de saúde da família realizarão visitas periódicas e permanentes às escolas participantes do PSE para avaliar as condições de saúde dos educandos, bem como para proporcionar o atendimento à saúde ao longo do ano letivo, de acordo com as necessidades locais de saúde identificadas" . ou na lei nº 10.782, de 09/03/2001 que garante que "o SUS prestará atenção integral à pessoa portadora de diabetes em todas as suas formas assim como dos problemas de saúde a ele relacionados".
As escolas (privadas ou públicas) podem ainda buscar suporte de profissionais de saúde Educadores em Diabetes ou apoio de associações de diabetes para treinar a equipe escolar.
Há um Projeto de Lei (184 de 2011 ) que "veda qualquer discriminação à criança e ao adolescente portador de deficiência ou doença crônica nos estabelecimentos de ensino, creches ou similares, em instituições públicas ou privadas". Considerando atos discriminatórios à criança ou adolescente: recusa de matrícula; impedimento ou inviabilização da permanência; exclusão das atividades de lazer e cultura; Ausência de profissional treinado para o atendimento da criança ou adolescente.
O ECA no art. 5º estabelece que: "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais."
Enquanto o projeto de lei 184/11 não é sancionado, e o ECA não for usado para essa situação, as escolas privadas podem não admitir alunos com DM1 ou não se responsabilizar por oferecer atenção e apoio a um aluno com diabetes ou outra condição crônica, caso se considere sem estrutura para tal (sem pessoas capacitadas ou sem disposição para que alguém seja treinado por profissionais de saúde para isso).
Que possamos buscar avanços juntos. Aprender, crescer e transformar o ambiente escolar para melhor, para todos, a cada dia, a cada desafio.
Vamos falar mais sobre esse assunto? Quero saber sua opinião, conhecer seus desafios e sugestões. Escreva para nós ;-)
REFERÊNCIAS:
BRASIL, Lei nº 8.069/1990.Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm
PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO. Portaria SME 1692/2005. Dispõe sobre a necessidade de normatizar a administração de medicamentos nas unidades educacionais da Rede Municipal de Ensino, SME, 2005. Disponível em: http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=05032005P%20016922005SME
Conselho Regional de Medicina de São Paulo(CREMESP). Parecer número: 44235/12. Um dos objetivos do atendimento ao paciente diabético é o incentivo ao autocuidado. 2012. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&dif=s&ficha=1&id=10645&tipo=PARECER&orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&numero=44235&situacao=&data=24-04-2012
TELESSAÚDE. A escola pode fazer controle de glicemia e aplicação de insulina em crianças com diabetes tipo I? BVS. Atenção Primária a Saúde, 2015. Disponível em: http://aps.bvs.br/aps/a-escola-pode-fazer-controle-de-glicemia-e-aplicacao-de-insulina-em-crianca-com-diabetes-tipo-i/
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Uso criterioso de medicamentos na creche e na escola: orientação aos pediatras.Departamento Científico de Saúde do Escolar, Comitê de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, 2011.
Disponível em: http://www.soperj.org.br/download/Comite_Saude_Escolar_Medicamentos_creches_e_escolas_marco_2011.pdf
Plano de Manejo do Diabetes na Escola (PMDE). Centro de Referencia Diabetes nas Escolas – Santa Casa BH e SBD-MG. Disponível em: http://www.diabetesnasescolas.com.br/ver-treinamentos/plano-de-manejo-do-diabetes-na-escola-pmde/13
Projeto de Lei 1.616 de 2011. Dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de um profissional da área de enfermagem, enfermeiro ou técnico de enfermagem, nas unidades da rede pública de creches e escolas de educação infantil. Disponível em:
BRASIL, Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro 2007 Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm
ESTADO DE SÃO PAULO, Projeto de Lei 184 de 2011veda qualquer discriminação à criança e ao adolescente portador de deficiência ou doença crônica nos estabelecimentos de ensino, creches ou similares, em instituições públicas ou privadas"
Disponível em: ftp://ftp.saude.sp.gov.br/ftpsessp/bibliote/informe_eletronico/2011/iels.mar.11/Iels56/E_PL-184_2011.pdf
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